A SOGIPA – Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Paraná – vem, por meio desse documento, esclarecer os seus associados, entidades e estabelecimentos de saúde e a população do Estado do Paraná, o seu posicionamento frente à Lei no 20127. Sancionado em 15/01/2020, o texto dispõe sobre o direito de a gestante optar pela via de parto, dando para cesariana a pedido força de Lei.
Por ser este um assunto amplamente discutido entre profissionais da Obstetrícia do mundo todo, citamos aqui alguns argumentos a fim de justificar nossa bem fundamentada posição. Aproveitamos para pontuar que a SOGIPA, maior entidade representativa de ginecologistas e obstetras do Estado, não foi consultada pelos poderes Legislativo ou Executivo durante a tramitação da Lei.
Primeiramente, é importante afirmar que apoiamos medidas que favoreçam a autonomia da paciente. Fundamentalmente, apoiamos e embasamo-nos nas Boas Práticas de Atenção ao Parto e Nascimento (Organização Mundial da Saúde – OMS, 1996), que foram idealizadas para repensar o modelo obstétrico e organizar uma rede de atenção à saúde , visando diminuir a mortalidade materno infantil. Dentre diversas ações, as Boas Práticas propõem que mulheres em trabalho de parto devem ser tratadas com respeito, ter acesso às informações baseadas em evidências e serem incluídas na tomada de decisões.
A morte de uma mulher durante a gestação, parto ou puerpério indica não só a qualidade da atenção à saúde prestada à mesma, mas também o nível de desenvolvimento socioeconômico de uma nação. Sabe-se que a cada morte materna tem-se atrelado pelo menos 30 casos de complicações graves, que, muitas vezes, deixam sequelas permanentes, como retirada do útero e lesão de órgãos nobres. Essas complicações ocorrem principalmente em mulheres submetidas a cesariana durante o trabalho de parto.
A cesariana aumenta as taxas de infecção, de tempo de internamento no hospital, de problemas no vínculo materno-fetal e de hemorragias após o parto. Além disso, a indicação de tratamento com antibióticos é 5 vezes maior no parto cesáreo quando comparado ao parto vaginal.
O número de cesarianas prévias é um importante fator de risco para aumento das complicações obstétricas de uma gestante. Gestantes com operação cesariana prévia têm mais risco de desenvolver placenta de inserção baixa (placenta prévia) e, dessas, 11% a 14% podem evoluir com acretismo placentário. A placenta acreta é uma complicação obstétrica grave e cada vez mais comum, e consiste em implantação errônea da placenta no útero, invadindo a sua camada muscular. Geralmente a implantação inadequada se dá no local da cicatriz da cesárea anterior, e faz com que a placenta não se desprenda do útero após o parto, resultando em sangramento aumentado, e, muitas vezes, na retirada do útero e até na morte da parturiente. Quanto maior o número de cesarianas anteriores, maior é o risco de acretismo placentário.
Assim, é consenso na literatura que a cesariana é um procedimento cirúrgico alternativo ao nascimento por via vaginal e não é isenta de riscos para a mãe e para o bebê. Consciente disso, a OMS vem acompanhando atentamente as crescentes taxas de cesariana em todo o mundo, visando a redução desse marcador. A taxa de cesárea recomendada pela OMS nas mulheres brasileiras é de 29%, sendo que a média de cesáreas realizadas no Estado do Paraná no período de 2012 a 2019 foi de 62,3%.
Dessa forma, ressaltamos que o médico obstetra, a equipe de saúde, as instituições e, especialmente, a paciente e seus familiares, devem estar cientes das informações apresentadas nesse texto antes da tomada de decisão pelo parto cesariano, visto que, em via de regra, este tipo de parto não aumenta a segurança da mãe e do bebê.
É importante considerar que a dor e desconforto experimentados pela gestante em trabalho de parto não devem ser a razão pela qual a mesma opte pela cesariana. Investir em educação continuada da gestante e familiares durante todo o pré-natal, para que informações de adequado valor científico sejam passadas, dúvidas sejam sanadas e, especialmente, anseios e medos sejam acolhidos, são estratégias muito mais valiosas que a mera autorização legal de uma escolha que poderá ser imprudente e piorar a qualidade de vida desta mulher e de sua família.
No momento do parto, a parturiente deve ser suprida em todos os seus direitos, como ter a presença de acompanhante a sua escolha, poder alimentar-se e beber líquidos se as condições clínicas permitirem, ter à disposição métodos não farmacológicos de controle da dor, e, principalmente, dispor de analgesia de parto, de forma universal. Ampliar o acesso da gestante à analgesia de parto é, sem dúvidas, uma das principais estratégias para reduzir o número de cesáreas a pedido.
Com base em todo o exposto a SOGIPA considera que a lei no 20127 de 15/01/2020 está na contramão das bases científicas para a boa prática da Obstetrícia, e repudia que medidas legais prepotentes e desconexas proponham ações na prática médica sem que sejam ouvidos os órgãos a quem compete o conhecimento ético e científico específico. Colocamo-nos à disposição para discutir o tema e convidamos de antemão os interessados a participarem de nossas atividades em prol da boa prática obstétrica.
Curitiba, 03 de fevereiro de 2020.
Rita Maira Zanine
Presidente SOGIPA